A área de criação sempre foi um ponto fraco da televisão brasileira. Desde os anos 50, a tevê vem copiando e adaptando formatos do rádio - como os programas de auditório -, e do teatro como as telenovelas. Atualmente, com telejornais eficientes e cada vez mais investimentos na área de dramaturgia, são os programas de entretenimento que se revelam carentes de boas ideias e criações. Por conta disso, é possível observar um movimento das emissoras em direção a uma grade recheada de programas formatados em outros países, que recebem adaptação ao costumes nacionais. "O público brasileiro está sempre na defensiva. Tem curiosidade sobre esses programas, mas também quer se ver nele. Por isso, antes de adquirir os direitos de produção, é fundamental saber se esses formatos se encaixam por aqui", destaca Hélio Vargas, diretor artístico da Band, uma das emissoras que mais investe na compra de programas desenvolvidos no exterior. A aposta parece ter surtido efeito, já que as três maiores audiências da Band - A Liga, CQC e Polícia 24 Horas - são de programas criados pela produtora argentina Eyeworks-Cuatro Cabezas.

No próximo dia 17 de setembro, a emissora estreia o Projeto Fashion, programa baseado no reality show de moda Project Runway, uma disputa entre estilistas que faz sucesso na tevê americana. Criado pela produtora britânica FremantleMedia, o formato já foi vendido para mais de 14 países. A vinda para o Brasil foi influenciada pela apresentadora Adriane Galisteu, fã confessa do programa, que lá fora é apresentado pela modelo Heidi Klum. "Apesar de ser um formato de sucesso em outros países, tentamos trazer ele para a realidade brasileira. Tanto que um dos seus desafios vai ser o desenvolvimento de roupas para a praia", explica Galisteu.

A preocupação com a existência de características nacionais dentro dos formatos comprados é também um dos fatores mais importantes para Boninho, diretor de núcleo da Globo, responsável por trazer para o Brasil programas como o musical Fama e o reality Big Brother Brasil, ambos foram desenvolvidos pela holandesa Endemol. "É preciso inserir essa conexão com a cultura local sem descaracterizar o formato. No Fama, colocamos o melhor da música popular brasileira. Já o BBB tem sua seleção ligada ao cotidiano do país", ressalta Boninho. No momento, o diretor está em Buenos Aires gravando a atual temporada do Hipertensão, versão brasileira do americano Fear Factor, mais uma produção feita pela Globo em parceria com a Endemol. "A equipe obedece ao formato, mas ele pode sofrer alterações que se adequem ao Brasil. Nesta temporada, por exemplo, o programa tem mais ação e menos provas com comidas estranhas", esclarece a apresentadora Glenda Kozlowski.

Não se comercializam ideias de programas, mas sim formatos. E, por isso, muitas brigas judiciais já ocorreram por conta da similaridade dos programas. Um dos casos mais clássicos é o conflito do SBT com a Endemol pelo programa Casa dos Artistas, que a produtora alega ser uma cópia do Big Brother Brasil. A disputa judicial foi vencida pela Globo e pela Endemol. Mais recentemente, a emissora de Silvio Santos voltou a ser acusada de plágio por outra produtora internacional. A FremantleMedia processou a emissora afirmando que o Qual é o Seu Talento? é uma cópia do reality Britain's Got Talent, programa de sucesso da tevê inglesa, onde os candidatos podem apresentar seus dotes artísticos através da dança, canto, malabarismos, entre outros. "Este processo é injusto. Não acho que seja plágio. Afinal, o programa funciona como a atualização do antigo Show de Calouros, que o SBT exibe desde os anos 80", reclama Daniela Beyruti, diretora artística e de programação da emissora.

Casamento comercial
Atualmente, a interação entre emissoras brasileiras e produtoras internacionais vai além do acordo de compra e exibição dos formatos. Em 2001, a Globo e a Endemol criaram uma "joint venture" chamada Endemol Globo, para a criação de programas ou apenas quadros, como os do Amor e Sexo e Caldeirão do Huck, que podem ser vendidos para outros países. Além disso, a Endemol também tem um braço brasileiro que negocia com outras emissoras nacionais, a Endemol Brasil. "São duas empresas fortes. A Endemol é uma produtora independente que se preocupa em produzir conteúdo para todas as mídias. Já a Globo tem sua especialidade na teledramaturgia. A junção é muito produtiva", acredita Daniela Busoli, diretora-geral da Endemol no país.
Na Band, a adaptação de formatos produzidos pela Eyeworks-Cuatro Cabezas chegou a um novo patamar com a criação do Agora é Tarde, programa de entrevistas comandado por Danilo Gentili. "Queríamos fazer algo especial. Ao invés de comprar um formato pronto, decidimos construir o programa em parceria. O resultado foi ótimo e outros produtos podem surgir dessa união criativa entre as duas empresas", espera Hélio Vargas.

Instantâneas
# Além do Projeto Fashion, a Band se prepara para lançar o oitavo programa em parceria com a Eyeworks-Cuatro Cabezas, trata-se do Mulheres Ricas, reality que mostra o cotidiano de socialites como Narcisa Tamborindeguy e Val Marchiori.

# A próxima parceria entre a Globo e a Endemol é a produção do programa musical The Voice, onde os jurados escolhem os participantes apenas pela voz. A estreia está prevista para o ano que vem. "O melhor do programa é que só compete quem já canta muito bem", analisa Boninho, diretor responsável pela adaptação brasileira.

# A acusação de plágio movida contra o SBT pela FremantleMedia ainda corre na Justiça. No entanto, o SBT vai exibir na integra a atual temporada do Qual É o Seu Talento?. A detentora dos direitos de exibição do programa é a Record, que pretende produzir a versão brasileira oficial do reality no ano que vem.

# Disputa musical de sucesso nos Estados Unidos, o American Idol já teve duas versões brasileiras. Sob o nome de Ídolos, a primeira versão foi ao ar no SBT e durou duas temporadas. Em 2008, os direitos de produção foram comprados pela Record, que já começa a produzir a quinta temporada do programa, prevista para 2012.

Fonte: Terra - Reportagem de Geraldo Bessa