Rafinha Bastos e a mídia social
Por Larry Rohter, de São Paulo, The New York Times News Service/Syndicate
Quando um grupo de pesquisa da internet publicou há pouco tempo um estudo concluindo que a pessoa mais influente no universo do Twitter era Rafinha Bastos, um humorista brasileiro listado bem à frente do presidente Barack Obama, Conan O’Brien e Kim Kardashian, o mundo que fala inglês ficou previsivelmente perplexo. “Quem é (AT) RafinhaBastos?”, quis saber a revista Wired.
Mas aqui no território de Bastos, onde há tempos ele tem a reputação de pioneiro na adoção de tecnologia, houve muitos reconhecimentos. Bastos, 34 anos, é pioneiro da florescente cena da comédia stand-up brasileira, aparece semanalmente em dois programas populares na televisão, acabou de lançar um DVD de sucesso chamado 'A Arte do Insulto’ e tem 2,7 milhões de seguidores no Twitter – todo esse sucesso foi induzido por uma adoção entusiasta da internet e mídia social.
“A internet é a minha casa”, Bastos afirmou durante uma entrevista longa e relaxada numa cafeteria na rua onde mora. “Sou uma criatura e criação da internet e tenho muito orgulho disso. A internet possibilitou que eu construísse minha carreira do jeito que queria”.
Bastos, cujo nome completo é Rafael Bastos Hocsman, pode ser o melhor exemplo brasileiro de humorista que aprendeu a usar a internet a seu favor, mas não é o único. Ao contrário dos antecessores no humor, que favoreciam esquetes e comédia pastelão, os cômicos jovens desta nação de 200 milhões de pessoas estão adotando o stand-up, bem como seu público. Um circuito florescente de clubes de comédia existe agora em grandes cidades e, no começo do ano que vem, o Comedy Central começará a ser transmitido no Brasil, a primeira investida do canal na América Latina.
De certa forma, Bastos e seu grupo são como os músicos brasileiros que, há mais de 40 anos, exploraram a música pop anglo-americana e o transformaram na Tropicália, estilo de influência global, só que desta vez, a matéria-prima é a comédia, não a música. Marcelo Mansfield, mentor de Bastos, lembra um pouco Rodney Dangerfield. Marcela Leal aborda alguns temas de Tina Fey e Danilo Gentili, 32 anos, parceiro de travessuras na televisão e num clube, tem mais do que um toque de Bill Maher em si, como visto no DVD chamado 'Politicamente Incorreto’.
“Existe uma nova geração de humoristas ácidos, vibrantes e inteligentes, que cresceu assistindo a comédias de costumes americanas e filmes do Eddie Murphy”, explicou Álvaro Paes de Barros, gerente-geral para o Brasil da Viacom Networks, que tem o Comedy Central entre suas propriedades. “A comédia stand-up é formato importado, mas esta nova geração a vê como uma plataforma de expressão e aprendeu a usá-la com muita inteligência”.
Embora seja espirituoso dentro e fora do palco e pareça ver o humor em todas as situações, não importa o quanto sejam embaraçosas, Bastos entrou na comédia por um caminho tortuoso. Criado em Porto Alegre, cidade de 1,5 milhão de habitantes que é a capital do estado mais ao sul do Brasil, ele estudou jornalismo na faculdade antes de ganhar uma bolsa de estudos em 1999, para jogar basquete nos Estados Unidos. Ele terminou em Nebraska, no Chadron State College, e, para ficar em contato com os amigos que ficaram para trás, começou a mandar e-mails com piadas e paródias de figuras famosas da cultura brasileira.
Lalo de Almeida/The New York Times |
Lalo de Almeida/The New York Times |
Ao mesmo tempo ele começou a assistir ao Comedy Central e a outros canais da TV a cabo e foi ficando mais e mais intrigado com o que via. Segundo ele, os humoristas que mais o impressionaram ao longo dos anos tendem a ser da escola da indignação: George Carlin, Lewis Black, Bill Hicks, Bill Maher, Lenny Bruce e, principalmente, Louis C.K.
Ao voltar para casa em 2000, a carreira esportiva foi abreviada em função de uma contusão e Bastos foi trabalhar como repórter de uma estação local de televisão. Porém, ele continuou fazendo comédia nas horas vagas e, após fechar contrato para distribuir seu material pelo portal Terra, um dos maiores do Brasil, decidiu tentar a sorte nas grandes metrópoles brasileiras.
No palco, Bastos, que é casado e há pouco tempo foi pai pela primeira vez, costuma abordar temas tradicionais como o casamento ou os aborrecimentos da vida urbana. “O casamento é um evento muito mais feliz para a mulher do que para o homem”, ele observa num quadro. “Não é por acaso que na cerimônia ela veste branco e ele, preto”.
“Os homens não foram feitos para relacionamentos longos. Por que você acha que o cachorro é o melhor amigo do homem? Por causa da companhia fiel? Não, é porque o maldito morre em 14 anos. Na hora de escolher um bicho de estimação, você nunca verá um homem escolhendo uma tartaruga, que dura 90 anos”.
A princípio foi difícil vender a comédia stand-up a bares e donos de boates, explica Bastos, porque estavam acostumados ao “pastelão, perucas e vozes engraçadas”. Assim, quando ele e os colegas tentavam explicar a abordagem, eles perguntavam: “Sabe aquele monólogo na abertura de 'Seinfeld’?”, que fez um grande sucesso na TV a cabo brasileiro. “É isso o que fazemos”.
Lalo de Almeida/The New York Times |
Fred R. Conrad/The New York Times |
Mais recentemente, Bastos tem aparecido em dois programas de televisão no horário nobre. O mais famoso, 'CQC’, é uma sátira política na qual Bastos e outros membros do elenco entrevistam políticos ou vão às ruas para forçá-los a responder às perguntas. Ele foi ao Congresso brasileiro questionar os legisladores sobre temas nacionais e zombá-los quando respondem incorretamente e, uma vez, numa cidade onde o sistema de esgoto não funcionava, foi à sala do prefeito vestido como excremento.
Quando perguntado sobre ser apontado a pessoa mais influente do Tweeter, Bastos fez graça. “É natural que eu seja reconhecido como gênio”. Falando sério, ele também expressou a esperança de que o reconhecimento lhe dê algum isolamento da onda de processos que está encarando, muitos dos quais, pelos padrões americanos, são ridículos. Num caso, representantes do governo de um estado da Amazônia o estão processando porque ele descreve os habitantes locais como feios num quadro e no DVD. Em outro exemplo mais grave, promotores o questionaram sobre uma piada confessadamente ofensiva sobre vítimas de estupro. O reconhecimento do Twitter também levou a contatos de empresas de entretenimento dos Estados Unidos, revivendo o velho desejo de se apresentar por lá. Para enfatizar tal ponto, depois de falar em português durante 90 minutos, ele passou para o inglês, que fala fluentemente, embora com um leve sotaque, não mais do que, digamos, Yakov Smirnoff.
“Quero fazer stand-up lá, mas não apenas duas ou três noites. Quero fazer carreira”. Após uma pausa, ele perguntou com seriedade: “Meu inglês é uma droga?” Depois que garanti que não, o humorista continuou.
"Gostaria muito de tentar traduzir meu material, traduzir ao pé da letra."
Sei que algumas das piadas que faço aqui, sobre estados, pessoas ou uma rede de supermercados, nunca dariam certo lá, mas as piadas de casamento funcionariam, bem como boa parte do resto do meu material. Na verdade, só não tentei isso antes porque muitas coisas estão acontecendo aqui. Não posso simplesmente ir embora. Mas, sim, quem sabe isso vai acontecer. Por que não?''
Lalo de Almeida/The New York Times |
The New York Times News Service/Syndicate - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times._NYT_
0 Response to "Rafinha Bastos e a mídia social"
Postar um comentário