Rafael Cortez não se conforma com o fracasso ao tentar levar música clássica e Machado de Assis ao público teen
Ídolo dos adolescentes, ele lamenta: "não é fácil sair do estereótipo"
Divulgação/Agência Na Lata |
Rafael quer fazer algo realmente importante: deixar um legado. “A coisa (leia-se CQC, exibido na Band) é muito bem organizada. Há certa magia na nossa imagem, essa coisa midiática de andar por aí de terno e gravata. A gente aproveita como pode. Seria mais tranquilo fazer dinheiro fácil com humor, mas preferi pegar a grana guardada e tentar formar público”. O humorista se refere ao CD instrumental Elegia da alma, que gravou a duras penas.
Aí está o lado B de Rafael Cortez: violonista clássico, lançou álbum independente com composições próprias – pago do próprio bolso. Criou fama, mas não deitou na cama. “Passei o ano passado brigando por gravadora. Fui a reuniões nas principais delas, era recebido por presidentes em salas de mármore. Quando mostrava o disco, sequer era ouvido pelo estagiário da garagem”, confessa.
A estrela da TV se cansou de escutar: “Legal, diferente. Mas não sei como vou te vender, porque você é conhecido no humor. Depois te procuro”. E nada. Então, decidiu ir à luta. Já tinha a demo feita em 2005. Entre 2008 e 2010, fez novas gravações, produziu um disco totalmente autoral.
Cortez não se acanha em apresentar as próprias criações ao exigente meio erudito. “Há uma carência enorme no circuito violonístico por trabalho autoral. É tão raro alguém fazer composição nova para violão clássico. Mesmo que não gostem do timbre, respeitam”, garante.
Mas os violonistas não são o público do Rafael de CQC. A maioria de seus fãs são meninas de 14 a 17 anos. “É contraditório, porque meu show de humor não é para adolescentes, nem meu trabalho na TV. Porém, o quadro “CQTeste” é muito pueril, acho que acabou pegando uma turminha teen”, comenta.
A princípio, ele não pensou em fazer disco para a garotada. Mas sabe que ali está o seu público – aliás, o mais difícil de conquistar. “Elas têm um déficit de paciência enorme. Não estão necessariamente abertas a ver um CQC tocando sem abrir a boca. Pensando em agradá-las, produzi um CD com encarte autorreferente, cheio de fotos e com texto em primeira pessoa. Jamais lançaria algo assim, não fosse pelo fato de querer que elas ouçam”, justifica.
Rafael não é aventureiro. Começou a ter aulas de violão clássico aos 17 anos. “Estudava como se não houvesse amanhã. Até os 20, não fiz outra coisa. Não ia para a balada, não comia ninguém, não beijava ninguém. Era o esquisito da sala e sua escala no violão invisível”, brinca. Mas as responsabilidades chegaram. Cortez teve de fazer cursinho, arrumar emprego e entrar para a faculdade. Não podia competir com garotos que dispunham de todo o tempo do mundo para estudar violão. “Quando você quer ser concertista, tem de ser o melhor. Fiz vestibular para o curso de violão na Unesp. Toquei as peças direitinho, fui bem no teórico, em análise harmônica, leitura e escrita. Mas fui reprovado”. Ele quase desistiu de ser violonista profissional.
Entretanto, tudo mudou depois de um show de Badi Assad. “Ela tocava composições modernas de autores contemporâneos, como Egberto Gismonti e Sérgio Assad. Apoiava o violão na perna direita, um pecado no clássico. E fazia show descalça, aquela coisa meio hippie”, relembra. Rafael passou a frequentar todos os shows da artista. Insistiu para que ela lhe desse aulas. Badi acabou cedendo. “Isso me devolveu o tesão de tocar. Sem preocupação com a solidez, mas com a coisa rítmica e interpretação, não de sonoridade. Aprendi que posso ter outro violão na minha vida”.
Formado em rádio e TV, Cortez virou ator e trabalhou como assessor de imprensa. Em 2007, durante turnê de Os saltimbancos, de Chico Buarque, uma editora de audiobooks gostou da voz dele. Foi assim que Cortez gravou seu primeiro audiolivro: nada menos que O alienista, de Machado de Assis. “Quando começou o CQC, em 2008, liguei para minha editora e sugeri que fizéssemos mais audiolivros, para tentar aproveitar a fama e oferecer algo a mais”. Vieram outros clássicos machadianos: Quincas Borba, Dom Casmurro e Memórias póstumas de Brás Cubas.
Para encerrar o ciclo de audiolivros, Cortez pediu para gravar Meu pé de laranja- lima, de José Mauro de Vasconcelos “Queria fechar com algo da minha infância”, explica. Apesar da fama na TV, Rafael Cortez não vende. “Se com CD é difícil, imagina audiolivro. É um mercado muito marginal. Por isso escolhi como faixa demo do meu CD um trecho de Brás Cubas. Recriei um tema no violão, achei que seria uma forma de lincar, porque acredito muito nesse trabalho”, conta.
LEGADO Afinal de contas, se CD de violão não vende e audiolivro mal chega às prateleiras, por que dedicar tanto tempo a isso? “Faço piadinhas meia boca e ofereço algo paralelo. Amo meu trabalho, mas o que fica é a obra. Queria oferecer algo que formasse plateia, sobretudo adolescente. Fico triste com o que eles ouvem, com o que se produz para eles”, lamenta.
Há mesmo chances para música erudita e literatura voltadas para o mercado teen? “Tudo isso é só teoria. Na prática, estou me decepcionando um pouco. Por mais que a gente tenha mídia e quase 1 milhão de seguidores no Twitter, não necessariamente compram tudo o que fazemos ou falamos. Eles distinguem o Rafael do CQC do Rafael do disco. Não é fácil sair do estereótipo”, constata.
A cultura de massa produzida na TV inquieta o CQC. “Isso começa a me afligir de verdade. Primeiro pela contradição: tudo que criei de relevante com o audiolivro e meu CD, pelo bem da formação do público adolescente, jogo no lixo quando faço o solo de humor. Entrego o que eles querem: dar risada, pensar em nada. No humor, você tem de abrir mão do ego”, diz.
Aliás, haja ego para suportar a rejeição. Ao final do show solo De um tudo um pouco, ele avisa: o álbum instrumental está à venda. Ao deixar o teatro lotado, apenas 20 pessoas, em média, levam o CD para casa. Mas pode ser pior: os fãs costumam devolver o produto adquirido, ao perceber que não se trata de um disco de piada. Semana passada, dois fãs de Varginha pediram o dinheiro de volta.
Mas Rafael não desiste. “Se eu morrer amanhã, quero deixar algo válido”, conclui.
Novo humor
Rafael Cortez e seus colegas de CQC Danilo Gentili, Rafinha Bastos, Oscar Filho e Marco Luque fazem parte da nova geração de humoristas brasileiros. Eles começaram a ganhar destaque por volta de 2008, com o estouro do stand up e dos novos formatos de humor na TV. Também se destacam Marcelo Adnet, Dani Calabresa, Fabio Rabin, Paulinho Serra, Tatá Werneck e Rodrigo Capella, apresentadores da MTV. Inteligente e bem-informada, essa geração cria personagens interessantes e domina as técnicas do stand up. A moçada gera polêmica quando ultrapassa os limites do “politicamente incorreto”, mas seu sucesso pode ser medido pelo número de seguidores no Twitter e acessos no YouTube.
Elegia da alma
CD de violão clássico de Rafael Cortez
Preço: R$ 20,80
À venda no site http://www.livrariacultura.com.br/ e nos shows do humorista.
(Uai)
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