O bullyng do CQC
O bullyng não se restringe à faceta mais conhecida: o conflito escolar entre adolescentes. Na versão mais recente e talvez mais nefasta, misturou-se a uma brincadeira secularmente arraigada na sociedade brasileira. Em tempos modernos, a boa e velha piada perdeu a inocência de outrora e ganhou a sofisticação mais ácida da maldade contundente, às vezes preconceituosa e racista, extremamente engraçada para o comediante de plantão, destrutiva e constrangedora para o palhaço da ocasião.
Crianças costumam sofrer caladas com a exposição jocosa de defeitos físicos que incluem as orelhas grandes, a cagueira, o olho vesgo, as anomalias de estatura e de peso. Algumas carregarão esse complexo na fase adulta da vida.
Quando envolve a mídia e pessoas famosas, esse debate se torna interessante. As mais recentes polêmicas nessa área, em que a comédia e o preconceito se misturam, envolvem a turma do Custe o Que Custar, o famoso CQC, programa que estreou na TV Bandeirantes e que logo cativou a audiência com o “humor inteligente”, até então sem similar na televisão brasileira. No início, o programa, que chega ao quarto ano, começou politicamente correto, com ironias finas, notabilizando-se por colocar os políticos contra a parede. A audiência explodiu, mas a sensatez raramente anda de mãos dadas com o deslumbramento, componente intrínseco do sucesso, ainda mais quando o faturamento aumenta, o dinheiro engorda o bolso e os protagonistas rapidamente são içados à condição de pessoas influentes, celebridades com milhões de seguidores no twitter e uma numerosa plateia em espetáculos de “stand up” que rodam o país inteiro.
O comediante Danilo Gentille tem 1,6 milhão de seguidores no twitter e no domingo, dia 11 de junho, filosofou em 140 caracteres. “Encalhada no dia dos namorados fica mais triste que órfão no dia das mães.” A polêmica anterior que o comediante havia se envolvido ainda nem tinha esfriado. Na construção do metrô em São Paulo, o carismático Gentille lascou: “Os velhinhos de Higienópolis não aprovaram o metrô porque, da última vez que pegaram um trem, foram parar em Auschwitz”. Rafinha Bastos também bate na mesma linha. No juízo do comediante, homem que estupra mulher feia “está fazendo um favor e merece um abraço”. Sem nada a ver com a polêmica, a apresentadora do Jornal da Globo pagou o pato. “Um dia a Christiane Pelajo vai morrer sufocada pelos próprios peitos. Ao vivo. E serei testemunha”. Para a turma do CQC a piada é o que conta, o constrangimento e o preconceito talvez sejam inofensivas estratégias de marketing. Dessa forma, o Programa seria esperto só no sentido de enganar o telespectador.
É possível fazer humor sem apelar à baixaria? O quadro “Proteste Já” cobra o respeito às leis, mas o Programa tem o direito de avacalhar com pessoas que cruzam o seu caminho? Será que o “Zé Ninguém” da pegadinha tem direito à dignidade e à privacidade? Marcelo Tass, o campeão de seguidores no Twitter, reconhece o valor da cordialidade na hora de perguntar a um entrevistado? No fundo, isso tudo pode ser muito engraçado, desde que a gente não seja o objeto da piada, dos risos da plateia e até mesmo do bullyng do CQC.
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